Introdução: Nenhuma
palavra explica melhor o tema central das Escrituras do que o vocábulo hebraico
“berith”, ou concerto. Os concertos de Deus com o seu povo
destacam-se no Antigo Testamento como cumes de montanhas, e a obra suprema de
Cristo foi assegurada um novo e eterno concerto pelo seu sangue.
A relação instituída por concerto, no entanto, é
vaga e estranha para o moderno estudioso da Bíblia. Existe uma lacuma cultural
que deve ser transposta para penetrar no mundo dos antigos israelitas, para os
quais a mais bela arte da vida era saber negociar acordos eficazes.
Para compreender o significado dos concertos
divinos, não há melhor ponto de partida do que a vida de Jeremias. De todos os
profetas, só ele assistiu o ruir do antigo concerto e o advento do novo. Embora
tivesse predito a destruição de Jerusalém, o choque de caminhar sobre os
destroços deixados pelas hordas babilônicas quase o aniquilou; haviam sido
obstruídos todos os símbolos externos do concerto de Jeová, destinado
justamente a fornecer e preservar a nação!
Foi nesta hora crucial que Jeremias recebeu por
inspiração a esperança de um novo concerto. Após um rápido estudo da aplicação
geral dos concertos no Antigo Testamento, podemos examinar com proveito os conceitos
de Jeremias sobre o assunto. É necessário responder aqui a três perguntas
importantes: Por que o Antigo concerto foi substituído? Quais são as características do Novo Concerto? Como se relaciona este com a mensagem do evangelho?
§
CONCERTOS
DO ANTIGO TESTAMENTO
“Berith”, vocábulo
cognado do assírio “biritu”, que designa
um elo
ou cadeia,
significa um compromisso solene em que participam dois homens ou duas
partes. Os orientais consideravam tais
acordos inalteráveis, pois o seu código de honra exigia que a palavra de um
homem fosse sagrada. O “berith” sempre
instaurava um estado de “shalom”, que significa
paz, inteireza, comunhão harmoniosa no seio de uma família ou entre amigos. Por
vezes, estes dois termos, sinônimos de concerto e paz, são permutáveis, como,
por exemplo, em Gênesis 26. 28, 31; I Reis 5. 12; Salmo 55. 20, 21. Entrar num
concerto significa, portanto, fazer paz. (¹).
Os pactos de sangue (dos mais antigos) introduziam
um estranho no seio de um clã familiar. Os pactos relativos à propriedade
agrária estabeleciam delimitações de terrenos e direitos de água. Os acordos
militares destinavam-se a evitar a guerra. O pacto feito por Josué os
gibeonitas forçou-o a desobedecer a Deus e a poupar-lhes a vida, apesar desse
pacto basear-se no engano. O casamento era sempre uma relação pactual, e não
raro exigia negociações externas, promessas e troca de dádivas entre as duas
famílias intervenientes.
Um concerto ou pacto formal era constituído por
quatro partes:
1)
Os termos e
compromissos do acordo;
2)
Os juramentos
feitos pelas pessoas envolvidas no pacto;
3) As maldições
invocadas por cada uma das pessoas sobre si própria, se alguma vez violasse o
concerto; e
4)
A ratificação do
pacto mediante determinado sinal externo (²).
Quanto a este quarto ponto, importantíssimo, o
Antigo Testamento assinala surpreendente variedade de ritos e símbolos. Um
símples aperto de mão selou o pacto de Nabucodonozor com o rei Zedequias (Ez
17. 18), como também o acordo entre os sacerdotes do tempo de Esdras, ao
comprometerem-se a repelir as suas mulheres estrangeiras. A intimidade um beijo
confirmava outros pactos, como a unção de Saul para ser rei. Para Jacó e Labão,
o sinal do seu pacto foi um monte de pedras. Trocavam-se solenemente dádivas,
como em I Samuel, quando Jônatas e Davi juraram amizade para a vida inteira.
Abimeleque, desejando concluir um pacto com Isaque, foi por este convidado a um
banquete (Gn 26. 30).
Para os hebreus, o sinal mais significativo de um
pacto era um sacrifício de sangue realizado perante Deus. Primeiro, dividia-se
o animal sacrificado em dois pedaços, colocados de forma a permitir que as
partes aliadas passassem por entre elas (Gn 15. 17; Jr 34. 18). Foi este rito
antigo que deu origem à frase idiomática hebraica “talhar um
concerto”, que ocorre freqüentemente
no texto original onde se esperaria ler “fazer um concerto”.
Finalmente, o sacrifício era assado e comido como refeição comum, outro
símbolo tradicional de intimidade e paz.
Quando nos deslocamos do nível humano para o divino
nesta matéria, descobrimos ainda outras formas de ratificação. Para Noé um arco-íris foi o sinal de que Deus nunca mais destruiria a
terra por meio de um dilúvio. Abraão anuiu ao sangrento rito simbólico da
circuncisão, mas assistiu também ao símbolo misterioso do facho ardente
passando entre as peças do sacrifício. No Sinai, o tremendo concerto da Lei foi
selado quando Moisés aspergiu o povo com sangue, apresentando em seguida às
duas tábuas de pedra do decálogo. Quando essas tábuas foram guardadas na arca,
também esta se transformou num símbolo do concerto mosaico. A promessa de Deus
a Davi e à sua posteridade foi confirmada pela construção do templo (II Sm 7.
25).
§
A FRAQUEZA DO ANTIGO PACTO
O que levaria um profeta tão fiel como Jeremias a
chegar à conclusão que o aspecto mais precioso da sua religião, o concerto do
Sinai, necessitava de ser substituído? Jamais negou a santidade da lei e,
quando o livro de Moisés foi descoberto em 621 a. C., participou energicamente
das reformas instauradas pelo rei Josias, que tinham por objetivo a realização
do Velho Concerto.
Dois acontecimentos históricos lhe devem ter aberto
os olhos. Por um lado, viu o miserável fracasso dessas reformas, pois a nação
mal se deteve na busca agitada da maldade, em todas as suas formas, de
idolatria e de intriga política. Contudo, ela havia ido longe demais (Jr 11.
10; 31. 32). Avizinhava-se o castigo de Deus! Jeremias viu, por outro lado, os
trágicos resultados finais desse castigo: o templo em ruínas, as muralhas e
edificações da cidade jazendo por terra, e os judeus mortos ou levados cativos.
Estes acontecimentos obrigaram o profeta a sujeitar
a sua fé e consciência a novo exame, e recebeu novamente a mensagem de Deus em
poder renovado, revelando-lhe os aspectos permanentes, santos, do antigo
concerto, e também as suas fraquezas essenciais:
1)
Fora escrito em
placas de pedras e não no coração do povo, tornando-se assim legalista,
externo, cerimonial (Jr 31. 33);
2)
Fora alterado e
deturpado pelos sacerdotes e escribas (Jr 8. 8), perdendo, assim, a sua forma
moral num labirinto de tradições humanas;
3)
Fora descurado,
esquecido até pelos sacerdotes, perdendo-se no templo, em vez de fielmente
ensinado de geração em geração;
4)
Acima de tudo,
não tinha poder para retirar o pecado dos transgressores.
Todas essas fraquezas do antigo concerto se
sintetizam numa única e simples verdade: podia ser violado pelo povo! E, de
fato, foi-o, repetidas vezes, através de toda a história de Israel.
Deus encontraria nova forma de preservar a santidade
de sua lei moral, para evitar que o seu povo quebrasse o vínculo do concerto. “Naqueles dias, diz o Senhor, nunca mais se
dirá: A arca do concerto do Senhor, nem lhes virá ao coração, nem dela se
lembrarão, nem a visitarão; isto não se fará mais” (Jr 3. 16). O seu lugar
seria ocupado por algo de novo e de superior.
§
CARACTERÍSTICAS DO NOVO CONCERTO
Jeremias reconheceu a existência de uma esfera
substancial de acordo – e, até, de repetição – entre o antigo e o novo
concerto: ambos afirmam o primado da lei; ambos procuram unir Deus com o homem,
e ambos oferecem bênçãos divinas e futuras recompensas.
Ao mesmo tempo, teve uma visão espantosa da natureza
do novo concerto, que seria um dia ratificado por Deus.
1)
Seria interior e
espiritual, alterando a vida interior e a alma (Jr 31. 33);
2)
Seria um
concerto individual dando a cada filho de Deus um conhecimento pessoal dele (Jr
31. 34);
3)
Seria um
concerto universal para todos os homens, dos ínfimos aos mais destacados (Jr
31. 34).
Além dessas, haveria mais três características do
novo concerto:
1)
Instauraria
verdadeira união entre Deus e o seu povo: “Eu
serei o seu Deus, e eles serão o meu povo”;
2)
Traria
verdadeiro conhecimento de Deus: “Não
ensinará alguém mais ao seu próximo... porque todos me conhecerão”;
3)
Asseguraria
verdadeiro perdão de Deus: “Porque lhes
perdoaria a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados” (Jr
31. 33, 34).
Também no capítulo 32 o profeta sublinha o caráter
íntimo e imediato do novo concerto. “E
lhes darei um mesmo coração e um mesmo caminho, para que me temam todos os
dias; e farei com eles um concerto eterno... e porei o meu temor no seu coração”.
(Jr 32. 39, 40). Isto está de acordo com o brado anterior de Jeremias: “Circuncidai-vos para o Senhor, e tirai os
prepúcios do vosso coração”, ecoando uma frase semelhante do próprio
Moisés, registrada em Dt 30. 6. O apóstolo Paulo utilizou este mesmo argumento
da religião do coração para mostrar como os crentes gentios comungavam na
bênção: “Mas é judeu o que o é interior,
e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra, cujo louvor não
provém dos homens, mas de Deus” (Rm 2. 29).
O hebraista alemão Keil afirma que a qualidade
fundamental e característica do novo concerto é o fato de ele apagar os
pecados. É esta a esperança repetida por Jeremias no seu capítulo 33, versículo
8: “E os purificarei de toda a sua
maldade com que pecaram e contra mim, e perdoarei todas as suas iniqüidades”.
Realiza-lo-á o “hesed” (Jr 33.11),
benignidade do Senhor, pois só uma obra divina da graça poderia jamais anular
as exigências da lei moral para com os homens. Assim, o novo aspecto aguardado
por Jeremias seria a concessão de virtude para cumprir os requisitos da lei,
exatamente o que Paulo anunciava como tendo sido realizado por Cristo (Rm 8. 3,
4).
O Velho Concerto contém mandamentos e exigências; o
novo, graça, e generosidade.
Um aspecto vital do novo concerto permanecia oculto
para Jeremias: o derramamento do Espírito Santo no Pentecostes. O Espírito
seria o agente, o método predito por Cristo, mediante o qual o coração do
crente receberia “rios de água viva”
(Jo 7. 38, 39). No atual ministério do Espírito de Deus, encontramos facilmente
a realização da predição de Jeremias de um concerto íntimo, individual e
universal, bem como a realidade da verdadeira união, conhecimento e perdão.
§
O NOVO CONCERTO E O EVANGELHO
A boa nova que pregamos é esse corpo de fatos
históricos que mostram o que Deus fez em Cristo para salvar a humanidade
perdida. O novo concerto é o resultado vitorioso dessa obra redentora. A
pregação não oferece ao pecador a mera possibilidade de regressar à comunhão
com Deus, mas um tratado de paz, eterno, realizado, assinado e selado, que ele
deve aceitar ou rejeitar. Esta relação estabelecida pelo concerto, retumba em
Romanos 5, quando o apóstolo exclama: “Sendo,
pois, justificados pela fé, temos paz com Deus”.
O evangelho mostra Cristo de pé, batendo à porta do
coração humano com a oferta: “Se alguém
ouvir a minha voz e abrir a porta entrarei a ele, e comerei com ele, e ele
comigo”. Para a mentalidade ocidental, esta expressão parece algo estranho,
mas para o apóstolo João e seus leitores, tão habituados a relações firmadas
por concertos, era este o símbolo precioso da refeição comum que poria termo a
todas as hostilidades e inauguraria uma era de união e paz.
Uma mensagem sobre o “Pacto Eterno entre Deus e o Homem” poderia, primeiro, mostrar como se ratificavam
concertos mediante penhores e símbolos solenes na Bíblia, e depois desenvolver
estes dois tópicos relacionados:
1) O sinal do
sacrifício de Cristo, cujo “sangue do
concerto foi derramado para perdão dos pecados”, e
2) O sinal do selo
do Espírito Santo implantado no coração do crente para evidenciar tanto a sua
posse atual da salvação como a sua herança futura. O capítulo primeiro de
Efésios descreve explicitamente esses dois símbolos irrevogáveis do novo e
eterno concerto de Deus.
Ao abortar um tema profético, como “das trevas para a luz”, o pregador pode
seguir, passo a passo, a realização da profecia de Jeremias desde:
1)
A noite de
desespero, em que a arca, o templo e a cidade foram destruídos; passando pelo;
2)
Alvorecer, com o
regresso de um remanescente que não conseguiu fazer mais do que reconstruir uma
sombra da antiga glória da nação;
3)
A luz do dia,
quando Cristo veio na carne e ratificou o novo e eterno concerto com o seu
sangue, estabelecendo o reino de Deus no coração dos que o seguem; até,
finalmente, o dia futuro da;
4)
Luz celestial,
que promete que tudo se realize num sentido universal e perfeito.
Um sermão de apologética, defendendo o caráter
direto da salvação, servir-se-á da grande passagem de Jeremias sobre o novo
concerto para enfrentar as reinvidicações da Igreja de Roma, que afirma ser ela
a única medianeira na transmissão da graça divina para salvação das almas. É
verdade que, ao abrigo do antigo concerto, o conhecimento do Senhor requeria a
intervenção de sacerdotes e a realização de cerimônias litúrgicas, mas é este
precisamente o princípio transitório abolido no novo concerto com a concessão
do Espírito Santo.
O teólogo americano B. B. Warfield diz, na sua obra
sobre “O Plano da Salvação”:
“O problema é, pois, saber se a operação
salvadora de Deus é ou não imediata: Deus salva os homens por ação direta da
sua graça sobre as suas almas, ou atua sobre eles tão somente por meio de
agências estabelecidas para esse fim?”.
Para todos os evangélicos fiéis, a resposta é que,
se bem que os homens e as igrejas possam colaborar com o Espírito de Deus, só
Ele administra o novo nascimento e subsequentes obras da graça diretamente a
todo aquele que crê.
O evangelista da atualidade deve demonstrar como o
fez o profeta Jeremias, a futilidade de todos os meios externos e sacerdotais
para efetuar o perdão divino, e depois proclamar a graça de Deus, que leva a
salvação a todos os perdidos. Sim, “a
palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra da fé
que pregamos”.
§
NOTAS
(¹) John Petersen, Israel, Its Life and Culture
(London: Oxford University Press), 1954, Part II, p. 285.
(²) George R.
Berry, “Covenant in the Old Testament”, International Standard Bible
Encyclopaedia, Vol II. P. 727.
MarriaValda
Professora
Para Contatos de Estudos e Pregação
Tel. 3361-2047 e 3361-4739 ou Cel. 8122-1062
Temos outros Trabalhos-Ligue, teremos
prazer em lhe atender.
SEBEP
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