Dizer alguma coisa, conquanto seja
verdade, não elimina o ônus de quem a diz. Por isso ninguém pode pensar que o
fato de falar a verdade o deixa imune às consequências. Isto porque podemos
dizer algo com toda franqueza, sinceridade e ideologia, mas o custo de dizê-lo
é inevitável.
Salomão, rei de Israel, deixou-nos
frase sapiente: “Ouve, filho meu, e sê sábio”. A sabedoria de um homem
não está no discurso impecável que possa fazer, mas no fato de ele conseguir
dominar os seus impulsos e aprender a ouvir. Não esqueçamos que foi a
imensurável sabedoria de Deus que nos fez com uma só boca, mas com dois
ouvidos. “Prontos para ouvir; tardio no falar”, diz o apóstolo.
Não entendendo quem o estava a
chamar, o jovem Samuel reportava-se ao sacerdote Eli. Tal coisa fazia porque
ainda não conhecia a voz de quem lhe chamava: Deus. Uma, duas, três vezes foi o
suficiente para sentir a diferença. Aprontou-se para sintonizar-se. Ao ouvir a
Deus pela quarta vez, responde-lhe apressadamente: “Fala, Senhor, porque o teu
servo ouve!”
Quanta ciência espiritual há nesta
narrativa. Aprendemos que a mudança de hábito é extremamente funcional em
situação de impasse. Em vez do antigo “ouve, Senhor, porque o teu servo fala”,
o “fala, Senhor, porque o teu servo ouve” ajusta-se perfeitamente aos apelos da
coerência e da discrição.
A essa altura, não seria lugar comum
dizer que precisamos ouvir mais a voz de Deus do que as vozes dos homens.
Todavia, eu penso que o ideal é conseguirmos ouvir a Deus nas vozes humanas,
sobretudo nas dos pobres, para não criarmos ainda mais espiritualidade
individualista. Melhor é conseguir ouvir os homens, sem preconceito, como Deus
nos ouve. Ouvir, sempre ouvir, até que aprendamos a arte de ouvir.
Ouvir é primeiro de tudo saber calar
e isto é mais que autocontrole, é maturidade; é aprender a viver; é sabedoria.
Acerca do tema não encontrei nada
mais curioso e profundo do que o trabalho do abade francês Josep
Antoine Toussaint Dinouart, datado de 1771, sob o título “A Arte de
Calar” - Silêncio.
1. Só se deve deixar de calar quando
se tem algo a dizer que valha mais do que o silêncio.
2. Não há menos fraqueza ou
imprudência em calar, quando se é obrigado a falar, do que leviandade e
indiscrição em falar, quando se deve calar.
3. É certo que, considerando as
coisas em geral, há menos risco em calar do que em falar.
4. O homem nunca é tão dono de si
mesmo quanto no silêncio: fora dele, parece derramar-se, por assim dizer, para
fora de si e dissipar-se pelo discurso; de modo que ele pertence menos a si
mesmo do que aos outros.
5. Quando se tem uma coisa importante
para dizer, deve-se prestar a ela uma atenção muito especial: é necessário
dizê-la primeiro a si mesmo e, depois de tal precaução, voltar a dizê-la, para
evitar que haja arrependimento quando já não se tiver o poder de voltar atrás
no que se declarou.
6. Quando se trata de guardar um
segredo, calar nunca é demais; o silêncio é então uma das coisas em que,
geralmente, não há excesso a temer.
7. A reserva necessária para
guardar o silêncio na conduta geral da vida não é uma virtude menor do que a
habilidade e a aplicação em bem falar; e não há mais mérito em explicar o que
se sabe do que em calar o que se ignora. O silêncio do sábio às vezes vale mais
que o arrazoado do filósofo; o silêncio do primeiro é uma lição para os
impertinentes e uma correção para os culpados.
8. Somos naturalmente levados a
acreditar que um homem que fala muito pouco não é um grande gênio e que um
outro que fala demais é um transtornado ou um louco. Mais vale passar por não
ser um gênio de primeira grandeza, permanecendo frequentemente em silêncio, do
que por louco, abandonando-se à comichão de falar demais.
9. Mesmo que se tenha propensão ao
silêncio, sempre se deve desconfiar de si mesmo; e, se houver muita paixão em
dizer uma coisa, este será um motivo suficiente para decidir não a dizer.
10. O silêncio é necessário em muitas
ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem-se reter alguns pensamentos,
mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem fechar o coração; de
ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar algumas verdades sem as
cobrir de mentiras.
Concluo esta reflexão dizendo - como já o fiz acima - que a maturidade e
a sabedoria de um homem acontecem quando ele aprende a ouvir - a arte de
calar.
Fonte: http://rev-paulocesarlima.blogspot.com.br/
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