Esta sentença está impregnada de
sentido – simbólico e transcendental – para os que a utilizam e para os que a
escutam. É uma fórmula que garante ao usuário dizer o que quer sem ser
questionado. Isto acontece, com frequência, nos meios cristãos de
características eminentemente carismáticas. Isto porque nesses arraiais a voz
de Deus é reproduzida de todas as maneiras: por profecias, impostação, visões,
sonhos; tudo se faz em nome do “Deus falou comigo!”
Os apelos desta sentença ultrapassam
os limites do bom senso e às vezes com nítida leveza daquele que se arroga no
direito de ser o que não é e de dizer o que não lhe foi mandado – pelo menos
por Deus.
“Deus falou comigo!” passa um estado
de espiritualidade falso para quem pensa que o fato de estar falando em nome de
Deus quer dizer que Deus está falando por ele.
O irrefletido desta sentença para
aqueles que a usam indiscriminada- mente está na falta de coerência cristã, em
falar como se Deus fosse, tendo como dispositivo de confirmação uma declaração
muitas vezes oriunda de emoção.
A mais perversa das violências vista
na História aconteceu quando a Igreja se assenhoreou do “Deus falou comigo!”
para praticar seus crimes. E para lutar contra a onipotência destas palavras,
as vidas de milhares de pessoas foram ceifadas. Não podemos, agora, preterir o
passado que se construiu com lágrimas, sangue, e voltar à infalibilidade de um
suposto ad veredictum.
Há algumas coisas a destacar sobre os
erros que rondam a sentença “Deus falou comigo!” quando utilizada
equivocadamente.
Primeiramente, ela peca por se
apresentar com uma face de espiritualidade diferenciada. Ou seja: Deus falou
comigo e com mais ninguém. Aqui é onde surgem os gurus evangélicos e as
cartomantes-monoteístas-evangélicas.
Segundo, ela pode trazer – e
geralmente traz – um apelo de infalibilidade que desemboca na mais nefasta
perversão do sagrado, que é a sua manipulação.
Terceiro, ela por vezes tira o lado
humano de quem prega, eliminando o inusitado de quem é usado por Deus, apesar
de suas ambiguidades.
Quarto, ela gera uma sensação de
onipotência, porque, quem fala, fala como se estivesse no andar de cima,
garantindo-se na subjetiva fórmula “Deus falou comigo”.
Quinto, a sentença produz uma
inconsciência no que fala, pois se esquece de que quem está falando é ele, em
nome de Deus, e não Deus de fato e de verdade.
Sexto, é que a sentença configura um
“deus” com voz divina e sentimento humano, nada mais falso e mesquinho.
Sétimo, é que o “Deus falou comigo”
fala como se comigo não pudesse falar, mas só com o que fala.
Com urgência precisamos rever nossos
critérios de avaliação com respeito a Deus e à sua maneira de ir e vir na
história humana; isto porque a cultura evangélica atual está impregnada de um
sentir que sente mais do que devia e mais do que diz estar sentindo, e que vive
sentindo e dizendo compreender tudo de Deus, por conta de uma suposta espiritualidade.
Inadvertidamente, as pessoas estão
medindo espiritualidade pela quantidade de arrepios, vibrações e sensações que
sentem em cada reunião, e não pelo que lhes afirma a Palavra de Deus.
A cultura espiritual da sintomania se
desdobra em várias nuanças. Os seus adeptos, por vezes, se sentem absolutos em
julgar e pré-julgar as ações de Deus num culto, e só mediante a sua palavra é
que a presença de Deus é confirmada entre o povo. Em outras ocasiões –
infelizmente, algo que não é raro – a cultura da sintomania vem delineando uma
postura cristã distorcida, através de orações exibicionistas, visões
escandalosas e profecias cartomantizadas, tudo em nome de um “Deus falou
comigo”.
Este comentário – é lógico – não quer
exibir a descrença na possibilidade de Deus falar conosco ou através de nós,
uma vez que acreditamos piamente que a presença de Deus pode ser sentida pelo
homem. O que está sendo levado em conta neste arrazoado é a atitude
desequilibrada e equivocada dos que fundamentam sua fé em Deus nos “santos arrepios” da vida, quando se sabe
que essência cristã só a tem os que não sentimentalizam a espiritualidade e
não fazem de suas experiências pessoais uma sustentação cristã, mas têm a
Palavra de Deus como sua bússola de orientação e seu real fundamento de vida.
Rev. Paulo Cesar Lima
Fonte: http://rev-paulocesarlima.blogspot.com.br/
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