terça-feira, agosto 20, 2013

A ASSEMBLEIA DE DEUS E A REVOLUÇÃO CULTURAL


Um dos momentos mais interessantes da História das Assembleias de Deus no Brasil foi o encontro da CGADB ocorrido em 1968 na cidade de Fortaleza, Ceará. Segundo o escritor Silas Daniel no livro História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil “os reflexos da Revolução Sexual já atingiam as igrejas, preocupando os convencionais”. As discussões começaram por um pastor catarinense; Satyro Loureiro, que perguntou: “Qual a atitude das Assembleias de Deus no Brasil em relação às minissaias e aos cabeludos que estão tentando invadir as igrejas?”

Não é preciso dizer que nas páginas seguintes os debates foram intensos, sobrando até para o respeitável Mensageiro da Paz, órgão oficial da igreja, pois segundo um pastor, estaria o MP publicando em suas matérias “fotografias de moças e senhoras com vestidos curtos e cabelos com penteados fora do comum”. Como não poderia deixar de ser, as deliberações dos convencionais foram de condenação aos “costumes mundanos”, e de maior rigor nesses casos.




 Anos 60: grandes transformações na sociedade, sentida até nas Assembleias de Deus



Entrou também na pauta dessa convenção o uso de anticoncepcionais. A pergunta surgiu do pastor Álvaro Motta que questionou: “Qual a posição das Assembleias de Deus no Brasil com relação ao uso das pílulas anticoncepcionais, com finalidade de controlar a natalidade, ou melhor, limitar o número de filhos? Devemos permitir ou não?” Segundo Daniel o “plenário se manifestou em peso contrário ao uso de anticoncepcionais”.


É interessante observar esses debates, pois através deles, podemos analisar as pressões sociais que viviam os membros das Assembleias de Deus no Brasil. Os anos 60 foram de profundas mudanças no mundo capitalista e ocidental. Grandes transformações culturais estavam perpassando toda a sociedade e influenciando a música, moda, comportamento e sexualidade. A descoberta e a comercialização da pílula anticoncepcional estava revolucionando as práticas sexuais, onde até então, o sexo era visto simplesmente como meio de reprodução e não de prazer. O anticoncepcional dava à mulher a oportunidade de uma relação sexual mais livre e sem medo de uma gravidez indesejada. 


Pode-se perceber que justamente no auge desses anos de mudanças mundiais, a igreja sente em seu interior a influência de tais transformações. Está implícito no texto, que os membros, principalmente os mais jovens, estavam aderindo a essas mudanças. Ou seja, os pastores percebiam que seus membros não estavam imunes ao “mundo”, mas desejavam como parte da sociedade da época seguir as tendências do momento.


É comum em ao ler essas deliberações da CGADB, julgar os líderes assembleianos com as informações que dispomos hoje, e taxá-los de atrasados ou coisa parecida. Devemos sempre lembrar que os pastores eram homens na sua maioria de origem rural, com pouco grau de instrução e fortemente apegados aos valores conservadores da sociedade vigente. A sociedade também era conservadora. Não eram só os pentecostais que condenavam as modas e costumes gerados durante os anos 60. Não eram só os assembleianos que condenavam o uso de anticoncepcionais, mas grande parte do corpo social no qual estavam inseridos. Tanto é assim, que nas leituras sobre os debates, alguns pastores se utilizavam de artigos escritos por não evangélicos para reforçar seus pontos de vista.


O único problema talvez seja que, enquanto as mudanças avançaram na sociedade, as Assembleias de Deus se fecharam, continuando numa postura ultraconservadora, e assim perderam muitos membros nascidos ou criados nessa geração, durante ou pós 68.

Postado por Mario Sérgio às 16:57 http://img1.blogblog.com/img/icon18_email.gif 
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FRIDA VINGREN:

FRIDA VINGREN: DESABAFOS NO MENSAGEIRO DA PAZ

 


A memória da pioneira Frida Vingren, ultimamente tem sido alvo nos últimos anos de várias discussões e polêmicas. Esquecida pela historiografia oficial das Assembleias de Deus, sua atuação, direção e ministério à frente da nascente igreja pentecostal, tem sido de certa forma "resgatado", tanto pelos historiadores assembleianos, como pelos estudiosos não ligados à denominação.


Gedeon Alencar levanta algumas hipóteses sobre a atuação dessa senhora no início do trabalho pentecostal no Brasil. Para ele, com Gunnar Vingren quase sempre doente e enfermo, era ela quem dirigia a igreja na cidade do Rio de Janeiro; tanto na ausência como na presença do esposo. Ela pregava, dirigia, cantava, tocava, escrevia, ou seja, exercia inúmeras funções na igreja. Porém, Frida e seu estilo de liderança, não foram aceitos pelos líderes da AD no Brasil, os quais na primeira Convenção Geral decidiram que:

As irmãs têm todo o direito de participar da obra evangélica, testificando de Jesus e a sua salvação, e também ensinando quando for necessário. Mas não se considera que uma irmã tenha função de pastor de uma igreja ou de ensinadora, salvo em casos excepcionais mencionados em Mateus 12. 3-8 (uma referência ao princípio de necessidade). Isso deve acontecer somente quando não existam na igreja irmãos capacitados para pastorear ou ensinar.

A decisão da Convenção ocorreu em setembro de 1930. Cinco meses depois, Frida Vingren escreve um vigoroso artigo no Mensageiro da Paz. Poderia ser simplesmente mais um texto, dos vários que ela escreveu ao periódico assembleiano. Porém esse artigo, escrito pouco tempo depois da primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, expõe muito do que a história oficial não revela. Com o título de Deus mobilizando suas tropas, a senhora Vingren desabafa, crítica e expõe claramente sua posição em relação a decisão da Convenção de pastores. O texto começa, com a argumentação de que Deus está mobilizando seu povo para a batalha espiritual, e precisa de todos os materiais e instrumentos para realizar sua obra aqui na terra. E é no desenvolvimento da escrita, que Frida expõe o seguinte:

Despertemo-nos, para atender o chamado do Rei, alistando-nos nas suas fileiras. As irmãs das "assembleias de Deus", que igualmente, como os irmãos têm recebido o Espírito Santo, e portanto, possuem a mesma responsabilidade de levar a mensagem aos pecadores precisam convencer-se que precisam fazer mais do que tratar dos deveres domésticos. Sim, podem também, quando chamadas pelo Espírito Santo, sair e anunciar o Evangelho. Em todas as partes do mundo, e especialmente no trabalho pentecostal, as irmãs tomam grande parte na evangelização. Na Suécia, país pequeno com cerca de 7 milhões de habitantes, existem um grande número de irmãs evangelistas, que saem por toda parte anunciando o Evangelho, entrando em lugares novos e trabalhando exclusivamente no Evangelho. Dirigem cultos, testificam e falam da palavra do Senhor, aonde há uma porta aberta. (Os que estiveram na convenção em Natal e ouviram o pastor Lewi Pethrus falar desse assunto sabem que é verdade). Por qual razão, as irmãs brasileiras hão de ficar atrasadas? Será, que o campo não chega, ou que Deus não quer? Creio que não. Será falta de coragem? Na "parada das tropas" a qual teve lugar aqui no Rio, depois da revolução, tomou também parte, um batalhão de moças do estado de Minas Gerais, as quais tinham se alistado para a luta. (MP 1º de fevereiro de 1931 p.6)

Frida, publicamente contesta a resolução da Convenção Geral. Revela informações atribuídas a Lewi Pethrus de que as mulheres na Suécia tinham liberdade de pregar, evangelizar e trabalhar em caráter exclusivo na obra pentecostal, enquanto que a resolução da CGADB dizia que as irmãs poderiam testificar e ensinar, mas somente poderiam de fato exercer o ministério em casos excepcionais. 

Nota-se o argumento de Frida já desenvolvido por ela em outro artigo publicado no Boa Semente (periódico antecessor do Mensageiro da Paz), no qual ela fala sobre a presença do Espírito Santo na vida do fiel, e capacitador tanto de homens como de mulheres ao ministério da palavra. Para ela, ministério não era questão de gênero, de ser homem ou mulher, mas dom do Espírito Santo a sua igreja.


E para reforçar seus argumentos, Frida recorre a um evento do qual ela foi testemunha ocular: a Revolução de 1930. Sendo moradora da então Capital Federal, ela testemunhou a chegada das tropas revolucionárias, e entre essas tropas ela viu com entusiasmo um "batalhão de moças do estado de Minas Gerais, as quais tinham se alistado para a luta". É nesse fato secular, que Frida apoia seus argumentos, para que as mulheres pentecostais fossem além de suas obrigações domésticas. Interessante é que ainda na década de 30 as mulheres conquistam seu direito de voto e participação política no Brasil.

Percebe-se assim, no texto da pioneira, aquilo que a história oficial não revela, ou seja, um inconformismo, um sentimento de indignação pelo fato das mulheres das ADs no Brasil serem relegadas a um segundo plano na prática ministerial do pentecostalismo daquela época.

Fontes
ALENCAR, Gedon. Assembleia de Deus-origem, implantação e militância (1911-1946). São Paulo: Arte Editorial, 2010.

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

DANIEL, Silas. História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.

Mensageiro da Paz. 1º de fevereiro de 1931. Ano 1 - nº3, p.6

Fonte: mariosergiohistoria.blogspot.com.