quinta-feira, julho 23, 2015

A BÍBLIA É MACHISTA?




A BÍBLIA É MACHISTA?


           Pr. João Pedro Gonçalves


Alguns têm argumentado que só falta agora termos a bíblia da pastora. Parece que a ideia por trás é que, quando tivermos mulheres no processo de tradução e revisão das versões bíblicas, teremos mais leituras "femininas" da Bíblia. Se essa hipótese estiver certa acerca das mulheres, acho ser no mínimo válida para as edições atuais. Quer dizer, ter mulheres trabalhando nas edições da Bíblia para termos leituras femininas e para se achar bases para ministérios femininos, então, não podemos esperar outra coisa senão que nossas Bíblias tenha um "cheiro" masculinizante.

Alguns querem também assexualizar o trabalho dos autores bíblicos, como se os mesmos estivessem acima de quaisquer suspeitas culturais, ideológicas, topográficas e temporais. Ora, como já demonstrei anteriormente, a teologia não é atemporal, nem asséptica. Se assim fosse, não seria teologia, não responderia às perguntas e dúvidas dos leitores da Bíblia. Por conseguinte, se assim fosse, a Bíblia também não teria respostas para nós hoje. Bíblia, para ser eterna, tem que ter uma mensagem relevante para os leitores originais, como para nós, leitores distantes do contexto original.

É certo que a Bíblia foi composta em um determinado contexto. É inevitável pensar e acreditar assim. Em vista disso, pode-se ver na literatura bíblica neotestamentária uma luta entre masculino e feminino tão grande que as nossas (quase) infindáveis discussões nem chegam perto. O texto que apresento agora é fruto da leitura de um outro que fiz chamado "Formação do cânone neotestamentário e a mulher na Igreja Antiga" em Coleção História da Igreja, de Martin N. Dreher.



Contexto Grego: Dominação Masculina

Os filósofos gregos tinham ideias bem definidas acerca da mulher e do seu papel na sociedade. Isso leva a crer que esses filósofos partilhavam da cosmovisão da mulher na sociedade grega contemporânea. Platão, por exemplo, escreveu que "Se a natureza não tivesse criado as mulheres e os escravos, teria dado ao tear a propriedade de fiar sozinho". Outro filósofo, de nome Xenofonte, não deixou por menos: "Os deuses criaram a mulher para as funções domésticas, o homem para todas as outras". Era conselho do próprio Xenofonte que a mulher "viva sob uma estreita vigilância, veja o menor número de coisas possível, ouça o menor número de coisas possível, faço o menor número de perguntas possível”.


Contexto Judaico

Se os gregos viviam num contexto ginofóbico, o contexto judaico não era diferente. A Mixná recomendava que as mulheres aparecessem e falassem o menos possível. Aliás, à mulher vedava-se até mesmo o conhecimento das coisas espirituais. É conhecida a passagem onde se diz: "Bem estão aqueles, cujos filhos são homens, mal, no entanto, aqueles, cujos filhos são filhas. Quando um menino vem ao mundo, vem paz ao mundo; quando vem uma menina, nada vem. Nossos mestres disseram: Quatro qualidades são evidentes nas mulheres: comilonas, mexeriqueiras, preguiçosas e invejosas".

Um outro texto ainda mais conhecido, onde o ensino da Torá para a mulher tinha o efeito de fazê-la perder-se ainda mais: "Louvado seja o Eterno, pois não me criou como gentio; louvado seja o Eterno, pois não me criou como mulher; louvado seja o Eterno, pois não me criou como ignorante... Que as palavras da Torá sejam queimadas, mas não sejam transmitidas às mulheres... Todos aquele que ensina a Tora para sua filha, ensina-a a ser devassa".


Contexto Bíblico (Canônico)

Os autores dos livros que foram considerados canônicos conhecedores e enfronhados na cultura grega e judaica, pressupunham que os missionários e pastores das igrejas só poderiam ser homens. Daí, atribuir-se a Febe o termo diaconisa (texto já comentado pelo "velho" Zaqueu). Assim, os principais autores do que ficou para a posteridade como NT ao escrever, faziam também exegese dentro do contexto em que viviam.


Um Exemplo

Sabemos que o texto neotestamentário tem várias "testemunhas", manuscritos guardados em bibliotecas famosas e museus antigos. Cópias desses documentos são consultados no processo de tradução e citados no estudo do texto bíblicos nas aulas de cânon de nossos seminários. Ao estudarmos esses textos antigos, concluímos que o texto, ao longo dos anos, sofreram inúmeras inserções (calcula-se em 200 mil inserções só para o texto do NT). Alguns desses acréscimos foram feitos por problemas involuntários (audição e/ou visão), ou de forma voluntária.

A luta entre feminino e masculino influenciou o texto de um desses documentos antigos, o Códice Beza (D).

a. O texto de Atos 17.4: "Alguns deles foram persuadidos e unidos a Paulo e Silas, bem como numerosa multidão de gregos piedosos e muitas distintas mulheres". No códice Beza, lemos: "muitas mulheres de distintos". As mulheres distintas em uma versão, virou esposas de homens distintos em outra.

b. O texto de Atos 17.12: "Com isso muitos deles creram, mulheres gregas de alta posição, e não poucos homens". No códice Beza, lemos: "... homens gregos de alta posição e mulheres".

c. Atos 1.14: "Todos estes perseveravam unânimes em oração, com as mulheres, estando entre elas Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele". No códice Beza, lemos: "mulheres e crianças".

d. Atos 18.26 aparece a dupla "Priscila e Áquila", no códice Beza: "Áquila e Priscila".

O códice Beza é conhecido como texto de origem da Ásia Menor. Naquela região, toda mulher era uma forte candidata à heresia. O Apocalipse de João afirmava de uma mulher "Jezabel" a heresiarca da igreja. Naquela região da Ásia, Tiatira, foi o berço do montanismo, onde Prisca e Maximila foram pastoras e profetisas. Depois, foram consideradas heréticas e foram finalmente expulsas.


Dois Autores: Paulo E Lucas

O apóstolo Paulo tratava com relativa normalidade o fato de na igreja iniciante ter profetisas, apóstolas, ministras, dirigentes em cada congregação local, de acordo com 1 Co 11.2-16. Lucas, no entanto, parece caminhar em direção diferente, omitindo em seus textos esses fenômenos. No entanto, não é desconhecido para Lucas que mulheres exerciam funções elevadas nas congregações iniciantes.

Os Evangelhos dão conta que as mulheres foram as primeiras testemunhas da ressurreição. O Evangelho de Marcos recomenda que as mulheres deem o aviso aos homens, discípulos de Jesus. Mas o texto de 1 Co 15.3-5 não contempla as mulheres no relato da ressurreição de Cristo, ao contrário, quando elas relataram o acontecido aos homens, suas palavras "pareceram como um delírio", (Lc 24.11). Semelhantemente, Lucas escreve que Felipe foi o primeiro missionários em terras samaritanas, como que desconhecendo o fato de a mulher samaritana ter sido a primeira a ser enviada ao seu povo.


Apócrifos, Testemunhos "Quase" Suspeitos

É sabido que o cânon do NT não nasceu uno e que sua fixação não foi questão unânime na igreja até o século XX. Nos primeiros séculos, a questão foi muito mais debatida. Havia daqueles que aceitavam uns e rejeitavam outros. Em uma determinada região do império romano alguns livros eram tido como canônicos; em outras regiões, esse livro tinha a sua leitura proibida. O que ficou e foi passado como canônico não deixou de ser, em certo sentido, uma decisão de um grupo que se impôs sobre o outro. O cânon é, no fim, uma questão de fé. Fé na palavra de Deus e fé na decisão das escolhas dos nossos antepassados.

Na literatura "apócrifa" a questão da mulher é muito mais light que na literatura "canônica". Como exemplo dessa afirmação, está que Maria Madalena nos outros escritos tem a primazia como testemunha da ressurreição.

No Evangelho de Tomé, Pedro chega a se queixar do lugar proeminente que tem Maria Madalena: "Simão Pedro lhes disse: "Maria deve sair de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da Vida. Disse jesus: "Eu mesmo vou conduzi-la para fazê-la masculina, de modo que ela também possa se tornar um espírito vivente, semelhante a vós homens. Pois toda mulher que se fizer a si mesma masculina entrará no Reino dos Céus".

As mulheres e líderes da igreja dos primeiros séculos baseavam suas atitudes a partir do relato dos Atos de Paulo e Tecla. Mais tarde, Tertuliano acabou por diminuir o valor dessa literatura.


O Testemunho da Patrística

Orígenes reconhecia a importância das mulheres num passado recente, mas afirmava também que elas não mais se pronunciavam em público nas reuniões da igreja. Crisóstomo também admitia que houvesse na história da igreja mulheres apóstolas, missionárias, pastoras, mas que isso só foi possível por causa de uma situação "angelical", ou seja, uma situação de assexualidade da mulher na igreja dos primeiros séculos.
Ambrósio afirmou que o pecado começou com as mulheres. Com elas, surgiram todos os ensinos falsos e heresias da igreja.


Conclusão?

Fica claro que Jesus mesmo não tratou as mulheres à moda dos seus discípulos e dos discípulos dos discípulos. A questão da mulher só se agravou ao longo da história. Inicialmente, as mulheres não eram discriminadas, pois que, em Cristo, essa questão de gênero, de escravos e ricos, de xenofobismo foram eliminadas. Mas a exegese do texto bíblico pelos homens líderes da igreja, a formação do cânon, as variações textuais dos documentos antigos foram responsáveis por uma interpretação oficial e oficializante.

De um papel de discípulas – elas seguiram a Jesus desde a Galileia, quer dizer, não se juntaram ao grupo de Jesus nos últimos dias – as mulheres começaram a receber uma interpretação de diminuição de importância até que foram condenadas a ficaram caladas na igreja, proibidas de cantar e só seriam aceitas como monjas, auxiliares dos homens.

Os autores bíblicos não escreveram o seu texto de forma hermética, com luvas. Eles escreveram dentro de um contexto, respondendo à questão de cada comunidade, no calor da discussão.

Foi esse o texto e a interpretação que recebemos. Nossa argumentação, mesmo quando diante de um texto bíblico, está eivada de tradição, tanto nossa quanto dos seus autores do passado.


Pastor João Pedro Gonçalves Araújo, bacharel em Teologia (FTBB, DF), Bacharel em Filosofia (UnB), Mestre em Ciências da Religião (UMESP), e Doutor em Sociologia (UnB). É professor de Filosofia e Sociologia na Faculdade Evangélica de Brasília e professor de Teologia na FTBB (Brasília). É pastor da Igreja Batista no Lago Sul, Brasília.


Fonte: http://pastorazenilda.blogspot.com.br/2009/02/biblia-e-machista.html

AMEAÇAS À CIDADANIA DA MULHER BATISTA


Segunda-feira, 4 de maio de 2009

AMEAÇAS À CIDADANIA DA MULHER BATISTA


                                                
  Pr. Edvar Gimenes de Oliveira


A mulher já passou por fases “curiosas” em sua história. Foi, por exemplo, impedida de conversar com homem em público; rejeitada no nascimento pela crença de que filha não abria as portas do paraíso para o pai; obrigada a andar “empacotada” para não ser objeto do desejo masculino; proibida de usar calças compridas; impedida de votar sob a justificativa de que as obrigações domésticas dificultariam o exercício político; recusada em plano de saúde e no mercado de trabalho por causa de possível gravidez e até condenada a ficar calada na igreja.


Isso tudo seria coisa do passado se a história da humanidade fosse linear, mas não é. A história e escrita dia-a-dia e seus atores estão em constante luta para fazerem prevalecer vontades individuais ou de grupos. Isso acontece fora e dentro das igrejas.


Dentro das igrejas batistas associadas à Convenção, a mulher lidera organizações em todas as áreas, participa de conselhos e comissões, ensina em classes de seminários ou de EBD e faz palestras sobre temas diversos, por exemplo. Inegável, portanto, é sua contribuição à saúde e desenvolvimento das igrejas nas quais é valorizada. Essa realidade, entretanto, está sob ameaça e isso não é ficção, senão vejamos: Até aproximadamente 30 anos atrás, a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, responsável pelo início da obra batista no Brasil, contava com mulheres ensinando em suas instituições teológicas e não eram discriminadas em qualquer das disciplinas oferecidas. Elas podiam ensinar na EBD, independente de presença masculina entre os alunos, ser educadora ou regente congregacional. Com a mudança no comando da Convenção do Sul, no início da década de 80, os novos dirigentes articularam para que batistas com pensamento diferente dos deles não fossem eleitos para as “juntas administrativas” e assim conseguiram banir a diversidade e implementar a uniformidade em suas instituições. Alguns missionários que atuavam no Brasil tiveram que deixar o campo por não concordarem com esta política.


Isso foi feito sob o argumento de preservar a fidelidade às Escrituras, porém, uma outra maneira de interpretar a Bíblia foi imposta, mulheres passaram a ser impedidas de ensinar em alguns seminários e igrejas onde houvesse presença masculina e até proibidas de se matricularem em disciplinas - homilética, por exemplo – que, no exercício, as colocariam em suposta posição de autoridade sobre homens. No Brasil, aliados deste tipo de pensamento se colocam apenas como fiéis defensores da inerrância bíblica, defendendo uma interpretação popular (ou literal, como dizem) dos textos sagrados, desconsiderando a cultura* no qual foram produzidos e posicionam-se contrários à consagração de mulheres ao pastorado, sob alegação chantagista de que isso seria uma porta para a aceitação de homossexuais na igreja. Silenciam, entretanto, no que se refere à crença – e fato que vai se consumando - de que mulheres “devem aprender caladas na igreja”. Defender isso publicamente, sem primeiro assumir o comando das instituições que formam o pensamento denominacional (seminários e editoras), seria dar tiros nos pés.

Que ocorrências me fazem pensar no título deste texto?

a) cresce o número de pastores batistas envolvidos em conferências promovidas por organização que representa este pensamento no Brasil;

b) está se tornando comum, por parte de pastores batistas, o discurso da volta aos “pais reformadores”, como se o pensamento dos líderes do passado, especialmente os das reformas do século XVI e XVII, fosse homogêneo e celestial e a volta ao que eles criam fosse a vontade de Deus para a salvação do mundo;

c) há proposta sobre a mesa do Conselho da CBB de criar-se diretor único para os seminários nacionais batistas e também que os seminários da CBB firmem convênio com seminário norte-americano adepto desta linha de pensamento, “para o desenvolvimento do programa de pós-graduação lato e stricto sensu”;

e) sob o argumento da agilidade, busca de espiritualidade ou capacitação (buscas com as quais me afino), o cerco em torno da participação popular em nossas assembleias está se fechando e concentrando-se, cada vez mais, o poder decisório em fóruns com presença menor de batistas;

Não creio que tais ocorrências sejam fruto de orquestração como ocorreu na SBC. Mas nada custa alertar aqueles e aquelas que acreditam que todos somos igualmente filhos de Deus (Gl. 3.26-28), no sentido de estarem atentos, a fim de não permitirmos retrocesso na cidadania da mulher batista, através da aceitação de pensamentos doutrinários heréticos em relação à tradição histórica dos batistas. Se não estivermos atentos, daqui a 50 anos, além do silêncio na igreja, as mulheres voltarão a usar véu, não poderão mais falar com homens em espaços públicos, terão lugar separado, em segundo plano, em nossas “sinagogas” e, quem sabe, aproveitando a moda afegã, serão obrigadas a usar “burca” (pois já há usuárias do véu!), de tão culturalmente “bíblicos” que seremos.


Com mais de 100 anos, estarei no céu, mas nossas netas viverão puríssimas, sob fundamentos “bíblicos” e antecipadamente, no inferno. Quem viver verá!


Créditos à: 
http://pastorazenilda.blogspot.com.br/2009/05/ameacas-cidadania-da-mulher-batista.html