
A ESTRANHA RELAÇÃO ENTRE ARMAS, BÍBLIA E O SENSO
COMUM
Por Johnny Bernardo -
23 de junho de 2016
Dia
12 de junho de 2016. Pelo menos 50 pessoas morreram e outras 53 ficaram feridas
após um ataque promovido por um americano descendente de afegãos. O alvo: uma
boate gay de Orlando (Flórida, EUA). “É o segundo maior atentado terrorista
após o 11 de Setembro”, publicaram meios de comunicação dos Estados Unidos. Até
onde foi possível apurar, Omar Saddiqui Mateen agiu individualmente, sem
qualquer participação ou articulação de grupos terroristas internacionais, como
o Estado Islâmico. É o conhecido “lobo solitário”. Maior surpresa tiveram as
autoridades ao descobrir que Omar adquiriu o rifle e a pistola legalmente, em
uma das várias lojas especializadas em armamentos existentes no país. O fácil
acesso a armamentos reacendeu o debate no congresso americano, com democratas e
republicanos em lados opostos.
Há motivo para se preocupar:
são mais de 300 milhões de armas disponíveis legalmente em lojas e feiras
especializadas. A legislação americana permite que qualquer cidadão – desde que
dentro das condições impostas – tenham acesso a qualquer tipo de armamento,
desde o de pequeno até o de grosso calibre. Há milhares de estandes de tiros
pelo país, e que recebem não apenas adultos interessados em aprimorar sua
pontaria, como também crianças em fase de aprendizado. Em agosto de 2014, uma
menina de 9 anos de idade matou um instrutor de tiro acidentalmente ao fazer o
manuseio de uma submetralhadora Uzi, em um estande de tiros. De acordo o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do Conselho de Relações
Exteriores, entre os anos de 2001 e 2011 pelo menos 130.347 pessoas morreram
vítimas de armas de fogo. Segundo reportagem publicada à época pela BBC, o
número de pessoas mortas entre 2001 e 2011 é “40 vezes maior do que as mortes
em ataques terroristas”, em uma clara contradição.
A divulgação do número de
mortos ocorreu quase que simultaneamente com um atentado em uma faculdade
do Oregon, quando nove pessoas foram mortas e sete ficaram feridas em um
massacre promovido pelo americano Chris Harper Marcel, 26 anos. Em
pronunciamento à imprensa, o presidente democrata Barack Obama pediu que a
população comparasse o número de cidadãos americanos mortos por terrorismo com
os mortos pela violência com armas de fogo. Obama também comparou os EUA com
países que decidiram endurecer o acesso a armas e que tiveram resultados
positivos. “Sabemos que outros países conseguiram elaborar leis que
praticamente elimiram massacres […] Então sabemos que há formas de prevenir
isso” (BBC). Na contramão ao que vem acontecendo no país, o presidenciável
Donald Trump defende que, em alguns casos, professores tenham direito ao
porte de armas.
No Brasil, parlamentares da
coligação BBB – Bancada da Bíblia, da Bala e do Boi – caminham uniformemente no
sentido de aprovar a descontinuidade do Estatuto do Desarmamento. Assinada em
22 de dezembro de 2003 e regulamentada pelo decreto 5123, a Lei 10826 endureceu
o já difícil acesso a porte de armas no Brasil. O artigo 35 do Estatuto proibia
a comercialização de arma de fogo em todo o território nacional. Desde 2003
milhares de armas foram retiradas de circulação, trazendo enorme prejuízo às
empresas produtoras de armamento e munições, como a Taurus e a CBC. Com o
objetivo de derrubar o Estatuto, pelo menos 21 parlamentares foram financiados
por fabricantes de armas, 10 dos quais fizeram parte da comissão especial criada
com o objetivo de discutir o porte de armas. Em outubro passado a comissão
conseguiu aprovar algumas mudanças no Estatuto do Desarmamento.
O lobby das
fabricantes de armas e munições não tem limites. Nos EUA, republicanos deram
aval ao projeto de criação de uma linha de armas especificas para crianças de 6
a 12 anos. Para abocanhar esta faixa do mercado americano, as fabricantes
reforçaram as propagandas dirigidas às crianças com a oferta de espingardas
modificadas para meninos e pistolas cor-de-rosa para meninas. No Brasil, o
lobby caminha no mesmo sentido, e o pior: com o apoio de pastores e
parlamentares evangélicos. Desconhece-se o fato de que milhares de vidas foram
poupadas com a criação do Estatuto do Desarmamento. Segundo o documento “Mapa
da Violência 2016 – Homicídios por armas de fogo no Brasil”, somente entre 2004
e 2014 o Estatuto do Desarmamento evitou 133.987, índice maior que o número de
mortes ocorridas quase que no mesmo período nos EUA, que foi de 130.347 mortes.
“Armas matam”, dizem
organizações internacionais de direitos humanos. Ao mesmo tempo, especialistas
em segurança pública são concordes no sentido de ressaltar que não é correto
reagir a assaltos, seja no trânsito ou em residências. Vale lembrar que o
“efeito surpresa” parte do assaltante, e não de quem está confortavelmente
relaxado em seu veículo ou descansando durante o sono noturno. Além do mais,
são inúmeros os casos de mortes por armas de fogo decorrente de crimes
passionais, brigas no trânsito e acidentes envolvendo o uso de armas por
crianças. É claro que em alguns casos o porte de armas é necessário, como por
fiscais do trabalho, criminalistas, promotores de justiça, empresas de
segurança privada, mas nos demais casos não é recomendável. Desde a invenção da
pólvora pelos chineses, a criação de armas de pequeno e grosso
calibre, milhões de pessoas foram mortas.
Mais difícil ainda é conciliar
o porte de armas com passagens bíblicas, como pretende Filipe Luiz C. Machado,
autor do livro “Armas, Defesa Pessoal e a Bíblia”. É uma contradição brutal com
o princípio de que “não matarás” (Êxodo 20.13), e dificilmente Jesus ou
qualquer de seus discípulos e apóstolos fariam lobby pelo uso de armas. Seria uma situação
inusitada pastores e membros de denominações evangélicas portarem armas em suas
residências, ou mesmo em deslocamentos para participarem de cultos. A defesa do
porte de armas parte de um pequeno grupo de radicais de direita, indivíduos que
recorrem ao senso comum e à ignorância de milhares de brasileiros para
fundamentar suas ideias. O Brasil precisa de mais escolas, de mais educação, e
não seguir o exemplo ultrapassado dos EUA, que coloca armas nas mãos de
crianças e ao mesmo tempo diz combater os extremistas islâmicos.
fonte: https://colunas.gospelmais.com.br/estranha-relacao-entre-armas-biblia-e-o-senso-comum_31725.html
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